quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Memória de Papel

A partir dos vinte e dois ele deu uma outra importância para suas memórias. Sua cabeça, pelo volume de coisas acontecidas, acontecendo e por acontecer, era cada vez maior e mais assustadora. Todos aqueles detalhezinhos que prezava agora pareciam que nunca aconteceram ou que faziam parte de um embaçado e viscoso todo diluído.


Escrevia agora em um diário. Diário de crônicas e teorias, pra lembrar quem já esteve por lá, quem está e como chegou. Importante pra não se perder em tantas bifurcações trôpegas... a maioria sem nenhuma importância, mas dignas de serem registradas.


Teve o amigo que morreu, a paixão pequena e constante, a festa longa e toda a dor no corpo e na cabeça. Crises não faltavam e superações eram sempre tão ínfimas e patéticas diante das honrosas derrotas que nem sequer eram citadas. De derrotas foi feito o diário. Perdas pequenas e sensíveis, contados por alguém de fora, alguma outra pessoa confusa que se apossava, se projetava bem de longe e escrevia.


Em algumas noites (a escrita era necessária noturna) chegou o escrever pra se convencer ou esclarecer, mas aquilo que fascinava era a leitura. De lábios trêmulos, lia e relia coisas, aquilo tudo que fazia sentido mais lido do que escrito, um esgoto limpo e sarcástico de palavras e reflexos que deixam mais bonito, mais triste e mais plausível.


Um dia sua neta, que não teria tempo de conhecer, descobriu seus diários. Ela tinha sete anos. Folheou quatro páginas, fechou o caderno de capa dura e letra estranha e se deu por esquecida. Foi a última vez que qua
se foi lembrado por suas lembranças.

Bastava. Era tão bom quanto Borges.

Um comentário:

renato santoliquido disse...

Não seria van NistelBorges ?

E viva o futebol de resultado !