quarta-feira, 24 de março de 2010

Redenção

Eu não entendo nada do que é ser gente grande. Uma vida comprida, cheia de gente, todo mundo olhando, sugerindo, se amontoando. Isso parece tão distante quanto as mais longínquas memórias da minha primeira infância.

E pessoas públicas, gente que em algum ponto da vida teve que escolher entre o anonimato ou o arreganho da sua vida. E como as tietes são minoria, acabam sendo considerados pelo grande público congelados por algumas bobagem que fizeram estampada nas primeiras páginas. Esses eu realmente não consigo entender. Como uma trajetória fica limitada a um grande e retumbante fato, seja ele ridículo ou glorioso? Parece tão pouco.

E aí, quando você olha mais de perto, vê que estadistas excepcionais, esportistas mitológicos, ídolos são só velhos confusos, ou moleques petulantes, dependendo da sua época.
O Tyson mordendo orelha, Maradona saindo de mãos dadas com a enfermeira, coisas do gênero. Mas qual seria o jeito mais "fidedigno" (com todas as aspas possíveis desse mundo) e completo pra conseguir mostrar uma vida toda holofotada dessas?

Mesmo não tendo jeito que seja o suficiente pra tentar representar a vida de alguém, acredito que o melhor deles sejam os documentários biográficos.

O grande foda dos documentários é que eles sempre tem uma estranha pretensão quanto ao objeto observado: a consagração, a demonização ou a redenção. São poucos que conseguem filmar com uma premissa minimamente imparcial (não que a imparcialidade plena exista, mas minimamente). Quando isso acontece surgem obras difíceis como Estamira, que alguns endeuzam ("Aí meo, Estamira mostra a lucidez dos loucos dentro das vísceras do sistema!") e outros a ignoram ("Filme fica duas horas mostrando uma mulher louca do lixão. Agora tira esse óculos de aro grosso que eu sei que você gosta é da Ivete")

Mas dentro dessas categorias, existem três filmes que, se não são imperdíveis para quem gosta de cinema, são imperdíveis pra quem gosta de algum dos assuntos em questão: boxe, futebol e política.

São muito diferentes de biografias que endeusam, tipo Pelé Eterno.


Feito por um fã que, ao que parece, só fez o filme quando teve dinheiro o suficiente só pra virar amigo do seu muso. Algumas horas chega a ser tosco, coitado. Mas vale pra ver a loucura dos fãs, o quão incontestável Diós é em algumas regiões, e quando ele não passa de um gordo com mullets que usa dois relógios em outras. O fã, no caso, é o Kusturica.

Tyson
Parece que feito no confessionário (me conte seus pecados cabeludos). Depois de tudo que esse monstro (no MELHOR sentido da palavra) fez, incluindo recordes, cagadas, títulos e afins, ele aparece se justificando. Seja seu excesso de confiança, a falta dela, juventude, empresários mercenários, o cara que foi capaz de 50 vitórias (44 knockouts) fala com voz mole de como perdeu muito do que tinha.

É, o pessoal envelhece, fica mais tranquilo. Bom saber que ele não precisa mais lutar pra ganhar dinheiro, só fazer pontas em filmes de comédia.

Feito por um documentarista contestador

O documentário, um diálogo aberto entre McNamara e Errol Morris (o diretor), onde o McNamara lista 11 lições da guerra. Um quê de A Arte da Guerra de um yuppie absurdamente inteligente e petulante. Enquanto discorre sobre suas importantes decisões (era presidente da Ford, depois assumiu a Secretaria de Defesa dos EUA e foi presidente do Banco Mundial) e relacionamentos com Kennedy, Johson e Nixon, ele se desdobra para explicar algumas decisões impopulares, a Guerra do Vietnam e sua carreira empresarial e política.

Das 11 lições (link), a que mais me impressionou e surgiu como um lampejo de lucidez foi logo a segunda:

Rationality will not save us

Os Estados, seus chefes, seus ministros são homens com muito poder e muita gastrite. Talvez apenas o tamanho da ferida dentro do estômago seja o que os diferencie do resto das pessoas no mundo. Ou nem isso.

E no meio de várias frases de efeito, discursos inflamados, McNamara chora. Assim como Mike Tyson e Maradona em seus respectivos retratos. Será que pra mostrar o homem por trás do excepcional, precisa mostrar o cara chorando?

Das imensas voltas da vida dessas três pessoas, no auge eram exemplos, ícones, deuses para uma grande número de pessoas Depois do desencanto, viram exemplos de mediocridade pra chegarem no final como párias de um tempo remoto. Isso me lembra de uma frase do Batman: O Cavaleiro das Trevas :

"You either die a hero or live long enought to see yourself became the villian"

De verdade. Acho que como muita gente, penso direto o que seria do símbolo Che se o homem ainda existisse.

2 comentários:

Mina Hugerth disse...

Não que eu tenha visto nenhum dos documentários pra sair opinando, mas queria voltar a algo do começo do seu post: você acha que as pessoas famosas são obrigadas a optar entre a fama e o anonimato? Pela sua descrição, pareceu quase como um martírio, quando eu acho que nos aproximamos todos mais do desejo dos quinze minutos de fama do Warhol do que um fardo inevitável...

Fernando Spuri disse...

A questão não é a fama ou anonimato, são as pessoas públicas. Acho que existe um ponto de virada entre esses 15 minutos de fama e o caminho sem volta.