segunda-feira, 6 de abril de 2009

Cidadão de araque

O que significa ser cidadão de algum lugar? Ou melhor, o que significa ser brasileiro classe média e ter como herança cidadania européia?

O que eu mais escuto pra justificar os anos na fila de espera da cidadania, gastar fortunas, buscar documentos nos confins da Terra é simples: poder viajar pra fora sem precisar ser considerado brasileiro e, na volta, não enfrentar filas na nossa alfândega, voltando ao tupiniquismo quando for conveniente.

Isso, sem PRECISAR ser considerado brasileiro que, além de precisar de visto pra quase todos os países do mundo, ainda assim tem gigantescas chances de ser barrado no aeroporto. Pimba.
Aterrorizante.


O mínimo de crítica é necessário. Já é fodérrimo pra caraleo tentar entender o que é ser um cidadão brasileiro, ainda mais ter DUPLA cidadania. Conheço alguns ditos cidadãos ítalo-brasileiros que não são nem um, nem outro. Quão típicas são as pessoas que a afirmação da dupla nacionalidade tem o mesmo peso de um pequeno título da Coroa Brasileira? Algo como um pequeno Duque dos novos tempos, que recebe aval pra gastar mundo a fora e voltar pra cá pra sonegar a lá vontê.

Partindo da minha mera e astuta capacidade de observação, concluí que quem normalmente tem acesso à cidadania é um completo imbecil aproveitador, que ao invés de tentar realizar efetivas troca de conhecimento, entender o que deu certo por aí, voltar para o Brasil e tornar-se algo de útil, fica pagando de fino, de glamourosa-rainha-do-funk exibindo o passaporte com adesivo da Ferrari (conheci uma pessoa que fez isso).

Aquela típica pessoa que acha que quem vai pra Índia volta um ser super iluminado, entendendo tudo sobre as mais de 240 mil entidades, negando qualquer coisa que ousou conhecer sobre Tupã, São Jorge, Ronaldo (o goleiro Deus), Exu e Chico Xavier. Volta com aquela linda tatuagem do Deus da Gonorréia e acho tudo lindo. Quem viu Viagem a Djarelling pode entender melhor.
Acho que é um pouquinho mais que isso. Sem levantar bandeiras ou qualquer um daqueles símbolos estúpidos, não dá pra ser considerado luso-brasileiro, nipo-brasileiro, ítalo-brasileiro ou qualquer-brasileiro sem ter o mínimo dos dois lados.

E desses vários lados, teve um que eu conheci primeiro. Algum que os meus amigos descendentes de japas sempre me deixaram fascinado era presença efetiva do Japão nas suas casas. Tudo bem que os pais deles eram vindos diretamente de lá, que as coisas que aconteciam por lá ainda estavam mais vivas. Mas o pai de um que tinha uma plantação de shitake/shimeji (isso no meio da década de noventa, onde comida japonesa ainda era exótica), uma mãe que só falava japonês com o filho e a outra fazia bonsais como hobby, são coisas que chamaram a atenção de pra um menino que comia arroz e feijão em praticamente todas as refeições, jogava Super Nintendo, e se divertia com o Doug Funny.


Foi incrível experimentar o primeiro temaki feito pela mãe do amigo, regado à muito niguiri e aquele bolinhos de arroz-com-arroz. Isso sem falar no moti, o doce de feijão, que na época era tão estranho quando degustar um picolé de chuleta.

Isso tudo só pra ilustrar o quão longe a Itália estava pra mim na época, e o quão perto estava para os meus amigos, os descendentes dos próprios. Tudo bem que nós italianos, tão enraizados, tínhamos o gnhocci (que só ficava no ponto certo se você amasse as paradinhas com o garfo enquanto falava mal de alguém), lasanha, Adoriran Barbossa e tudo mais, mas a Itália em si era um país to distante quanto a Espanha, Portugal, Luxemburgo ou a Zona Leste.

Sendo eu descente direto de italiano, as únicas coisas que sei sobre a Bota é a sua assustadora direita, da ajuda do exército brasileiro deu na Segunda Guerra contra o Mussolini, que Calábria tem alguma coisa a ver com calabresa, o caso Battisti, os filmes do Fellini, alguma coisa de Spaghetti Western e um entendimento de orelha sobre comidas (bracciola, bruschetta, canelone, e tal).



E mesmo assim é muito mais que eu sei sobre a descendência do meu bisa negão, minha bisa portugesa ou meu avô espanhol. Talvez por conseguir o tal passaporte e por sermos grandes baba ovo ded metrópoles, a italiana seja a mais valorizada. Precisava começar por algum lugar, né.

Na real, gosto mesmo é de macarrão com feijão, que aprendi com a minha vó índia/negra do Rio Grande do Norte. Se for feijão de corda, melhor ainda.

Vou tentar fazer com que a dita “regalia” do passaporte sirva pra alguma coisa além da mera superioridade desmiolada. Pelos menos aprender alguns xingamentos e trazer pra cá, já que merda, buceta e caralho logo cairão em desuso.

PS: Este post foi patrocinado por Darcy Ribeiro e o livro O Povo Brasileiro, assim como a vontade de ser descendente direto dos Gaykurus.

4 comentários:

leila disse...

tive uma discussão bem parecida com essa com alguns amigos que resolveram fazer intercâmbio, no nosso terceiro/quarto ano de facul.

a idéia de aproveitar lá fora e não trazer nenhum benefício pra cá e, ainda por cima, começar a reclamar de tudo daqui e sentir "saudades" de lá....isso me irritou muito na época. ainda mais porque se isentavam da culpa.

ótima analise a tua.

Tatiane disse...

Eu casaria contigo! Fácil...

Mina Hugerth disse...

...Dando uma tolerada...

É, é bem difícil ter duas nacionalidades, ainda mais quando você se importa em entender a segunda. E acaba que não entende, e percebe que nem a primeira você dominava.

Mas como você disse, gente grande já tentou entender tudo isso e nem eles deram conta. Vamos felizes nos nossos passos de formiga.

Porque mesmo eu que tenho 0% de sangue brasileiro adoro um feijão de corda.

Júlio disse...

Pra mim as coisas só vao começar a melhorar quando as pessoas começarem a ter nacionalidade nenhuma, em vez de ficarem se matando pra ter mais de uma...